Hoje depois de deixar as crianças na escola enquanto eu escrevia mentalmente o que eu queria dizer aqui me deparei com o carro da frente que tinha três enormes adesivos prateados: um escorpião, o símbolo do om (ॐ) e a insígnia do Vasco (era só a cruz de malta, mas sendo RJ né aqui é Vasco porra) imaginei que esses três símbolos devam dizer muito do dono do carro, inclusive adesivo de carro é quase como tatuagem né, mais cedo também vi um adesivo na tampa do compartimento de combustível com os marcadores apontando pro E e uma pessoinha tentando puxar a seta pro F, será que é um tipo de conjuro? Nunca entendi o significado desse adesivo.
Lembrei de um sonho que tive enquanto estava de férias na casa da minha mãe, aliás sonhei muito nessa temporada lá, vou copiar aqui logo mais as coisas que escrevi naquela época (mês passado) em que eu comprava um carro que sempre achei feio, mas aí depois do sonho eu desenvolvi certa afeição por ele e agora quando o vejo na rua fico imaginando como seria se eu tivesse esse carro também e já sonhei outra vez com ele depois disso e nesse segundo sonho eu comentava com meu marido “lembra que antes eu não gostava desse carro? Pois é, foi só sonhar com ele que agora eu gosto, lembra do sonho que te contei”.
Interior de Goiás, 20 de janeiro de 2025
Tenho sonhado muito esses dias
Ou tenho me lembrado com muita clareza das coisas que sonho. Em geral meu sonhos são solitários, mas nessas últimas semanas tenho sonhado com muitas pessoas, pessoas diversas, que existem no mundo real ou que minha mente inventou e também com uma mistura das duas coisas, pessoas reais desfiguradas no sonho, menores e mais estranhas do que na realidade são, carros que não esquentam se ficam ao sol, cadeirinhas de bebê que comportam idosos, sonhei que o Guggenheim ficava num shopping em Brasília e eu tinha preguiça de ver todas as exposições, queria apenas me sentar na praça de alimentação, sonhei que viajava só com a minha mãe e deixava as crianças pra trás, que visitava amigos e que minha melhor amiga (ainda grávida do 1º) já tinha parido o 2° filho e dado um nome do velho testamento escrito errado ainda por cima pro pobre bebê. Tenho sonhado também nas sonecas da tarde, aliás tenho feito sonecas à tarde, um luxo inimaginável até pouco tempo atrás que me foi concedido por uma convalescença lenta e sofrida. Sinto que dirigi 1300km tossindo igual uma cachorra velha, sentindo dor nas costelas a cada acesso de tosse apenas pra me recuperar com calma e poder sonhar. Que luxo é casa de mãe.
Dia desses ela me perguntou se quando estamos aqui (eu e minha irmã) conseguimos relaxar completamente e dormir como se estivéssemos em casa, nós duas respondemos que sim, apesar de não sentir como se estivéssemos em casa, já não sei nem mais dizer onde eu me sinto em casa porque na minha casa não sei se me sinto em casa também. Não tenho sonhado com casas. Sonhos que me acompanham desde sempre. Hoje eu resolvi pesquisar sobre sinusite e descobri pra que servem os seios paranasais, esses espaços de ar dentro dos ossos da nossa cara que se enchem de catarro e fazem com que a gente tenha uma dor de cabeça absurda e se parecem borboletas servem pra que a nossa voz ressoe (deve ser por isso que a gente fica fanho quando tem muito catarro ali) e pra ajudar a sustentar o peso do nosso cérebro, achei bonito. Quanto a gente paga com saúde pra poder pensar. Um bebê humano nasce completamente dependente, demora meses a conseguir sustentar o peso da própria cabeça, essa fardo enorme, pra conseguir passar pelo quadril estreito, muito esforço da natureza pra deixar a gente pensar.
Ainda em Goiás, 28 de janeiro de 2025
Morre Marina Colasanti, li a Marina pela primeira vez quando fiz meu primeiro vestibular pra UFG (me sinto enfim velha podendo dizer que os jovens não conheceram essa modalidade de ingresso, me lembro da minha mãe dizer coisas que tinham acontecido 15, 20 anos antes e pensar “velha”, bom, chegou minha vez) e resolvi reler algumas coisas dela e topei o livro Eu sozinha que eu não conhecia que me trouxe várias recordações de quando me mudei pro Rio e morei sozinha também, das solidões da infância. Leiam Marina Colasanti.
“Enquanto ando para o sono, um longo, longo caminho, penso com prazer que há tantas coisas por fazer, e nada me obriga a fazê-las. Era outro dos meus erros, este de achar que estava sempre perdendo tempo, que devia fazer coisas, aproveitar as horas, desgastar as energias; um erro que enchia meus dias de remorso a cada momento perdido, a cada viagem de lotação em que eu não lesse pelo menos o jornal. Agora não. Descobri, com prazer, que não tenho compromissos com ninguém e coisa alguma, sobretudo comigo mesma, e que, se tenho, são justamente o de não fazer nada, de dormir o mais possível, de encher a vida de repouso. Durmo, acordo, nem levanto. Ninguém me chama. Os que exigem coisas de mim não têm esse direito.”
Trecho de
Eu sozinha
Marina Colasanti
Ainda sobre adesivos; lá naquela época do primeiro vestibular, na verdade já depois de ter passado, na minha primeira tentativa de fazer uma graduação na UFG, uma amiga dirigia um carrinho muito simpático que tinha o seguinte adesivo atrás: minh filh faz UFG e a logo recém reformulada da nossa querida universidade, são colmeias abstratas (sempre achei essa logo incrível) a ciência da abêia muita gente desconhece, olará, viu? Na época a gente nem tinha essas discussões sobre gênero neutro, mas sempre achei curioso que tenha caído apenas as últimas vogais dessas duas palavras no adesivo.
Aranha tece puxando o fio da teia
Essa mesma amiga se mudou pro Rio alguns anos antes de mim e acabamos pendendo um pouco o contato, até vim passar umas férias aqui na casa dela e quando eu já morava aqui um dia indo de ônibus pro trabalho me peguei pensando que era por ali que ela morava naquela época que eu tinha vindo visitá-la, desci do ônibus com esse pensamento e quem eu encontro? Pois é. Jung corre aqui. Muita gente desconhece, olará, tá?
Voltei pro lugar que chamo de casa há quase 10 anos, se você é carioca ou mora aqui e não recebeu aquela foto do Pão de Açúcar em erupção de pelo menos 3 grupos e 5 pessoas diferentes nessa última semana você não viveu essa cidade direito.
Compramos um purificador de água na esperança de ter água gelada 24/7 e não precisar mais abrir a geladeira 365x no dia nem ouvir “mamãe/papai, quero água” pois agora todo mundo alcança o filtro e pode encher seu copo sozinho!
O filtro ocupa 1/3 do mármore da bancada da cozinha mas sacrifícios são necessários.
Sempre que passo perto da cozinha tomo um susto com o barulho de tchhh constante e penso “putamerda deixei a panela de pressão no fogão” mas é só o purificador gelando nossa água.
Assei um bolo de chocolate na minha cozinha minúscula, que pega todo o sol da manhã dia desses às 14h forno ligado a 180° enquanto lá fora fazia 44°.
Já não tenho sonhado.